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PARA CABER AMOR!

  • Foto do escritor: Miriele Alvarenga
    Miriele Alvarenga
  • 12 de out. de 2024
  • 5 min de leitura

Eu sinto a ampliação da consciência, em parte,  como uma capacidade de suportar e deixar caber mais amor. Quando a gente se abre para a entrada de amor, muitas coisas podem ser reconhecidas e conscientizadas. Esse reconhecimento não é fácil, requer que a gente entregue basicamente tudo. Ainda que em doses homeopáticas, ainda que distribuído no tempo e no espaço de uma vida, ainda que de formas inesperadas, mesmo que transbordando oceanos de lágrimas em conta gotas…. requer TUDO.

O tudo, às vezes é apenas uma parte muito difícil de jogar luz, o tudo pode ser  a coragem para olhar e reconhcer aquela parte. É como uma pequena morte que abre espaço para mais vida em nós. O tudo é aquilo que antes acreditávamos ser e também o que acreditávamos ser o outro. Tudo aquilo que considerávamos nossa verdade e tudo aquilo que reconhecemos não ter ciência ou condição de saber. Tem sempre mais. E a sensação de expansão que isso promove pode ser extasiante ou perturbadora, porque, tendemos a conter tudo aquilo que cresce em nós e parece caminhar rumo em à finitude. Mas o amor não reconhece a finitude e por isso jorra sem controle, ao que dimensionamos para mais ou para menos a partir de nosso livre arbítrio e da válvula diminuta do ego.


Em sua obra “ Psicologia do Inconsciente” Jung traça um caminho no qual compara teorias psicológicas que versam sobre as implicações do amor e do poder na neurose. Através do qual ele constata que psicologicamente, o contrário do amor não seria o medo, mas o poder.


“Onde impera o amor, não existe vontade de poder; e onde o poder tem precedência, aí falta o amor.” C.G.JUNG


É interessante notar que o ódio não caminha em oposição ao amor neste caso e que mesmo o medo, por muitos de nós percebido como aquele que se opoe ao amor também não é revisado nessa lógica analisada por Jung. Por parecer tão estranho que o amor e o poder estejam em pólos opostos de uma mesma reta, achei interessante buscar entender o que, para nós, está na oposição do poder quando se trata de linguagem e compreensão cultural geral.

As palavras relacionadas como antagônicas ao poder que aparecem em minha breve pesquisa são: dependência, obediência, servilismo, submissão, subserviência, subordinação, sujeição, impotência, incompetência, ineficácia, impossibilidade, incapacidade, inutilidade, nulidade, inaptidão, inépcia.


Não acredito que esse seja o único motivo, mas não será também por isso que estamos com tanto medo do amor. Será que ele exalta, inspira e condena aqueles que se deixam por ele transformar à essas qualidades que julgamos tão pejorativas? Me parece considerável que, numa época em que os valores estão ego centrados, fundados em lógicas capitalistas e orientados para a produtividade, conquistas pessoais, todas de teores externos, o amor esteja tão carente de vazão e sofrendo com as contrariedades dos desejos. Será que estamos entendendo, coletivamente o amor como fraqueza?

Já ao poder é designado o seguinte significado: ter a faculdade ou a possibilidade de, possuir força física ou moral; ter influência, valimento. 


E isso, hoje em dia, quem não quer? Então será que estamos buscamos tudo aquilo que nos distancia do amor? Será que as buscas conscientes deixam o amor cada vez mais inconsciente? Eu não tenho as respostas, mas me inspira trazer perguntas.


Mas eu segui um pouco adiante e busquei também a palavra amor em ferramenta rápida de pesquisa que traz o significado do dicionário. E o que se segue é o que aparece:

Forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade ou de relações sociais. Atração baseada no desejo sexual.


Nesse movimento de definir o amor e sua fonte, e não ele como fonte aquilo que realmente gostaríamos de entregar e receber é recalcado por uma série de modulações externas, distantes, pré concebidas e associadas ao outro. Restringido ao amor romântico e pintado em telas, o amor morre fixado numa fotografia onde só cabem pessoas sorrindo. A meu ver, se o amor romântico não servir como uma forma de viver e caminhar todos os outros “amores”, ele pode ser apenas mais uma forma de apego à muitas dores não choradas desde a infância.


O amor, para mim, é uma simplicidade de luminescência refinada que pulsa em absolutamente tudo, e se convida o tempo todo para entrar um pouco mais e abrir mais e mais espaço em nossa consciência. Se o amor é tudo, ele não é somente bom ou bondade, ele é capaz de abarcar o caos e a ordem, ele está na risada e no choro, no fato da vida e no fato da morte, está nos ciclos  e pela eternidade talvez.

Nestes ciclos, tudo que nasce em nós, precisa morrer e tudo que morre em nós abre caminho para nascimentos, e, por isso, eu entendo que morre em vida quem deixa de ver o amor como uma forma de operar na existência.


Na Bíblia, entre os tantos poemas que celebram o dom do amor em Cânticos dos Cânticos 8:6-7 lemos:

Põe-me como um sêlo sobre o teu coração, como um sêlo sobre teus braços; porque o amor é forte como a morte, a paixão é violenta como o cheol*. Suas centelhas são centelhas de fogo, uma chama divina.  


*mundo dos mortos.


Quando é ferramenta, o amor queima pedacinhos de identidade que nos separam do outro.  

Se o amor fosse mais ordinário dentro de nós a gente entregaria com mais facilidade e para muito mais pessoas. Mas a gente coloca o amor num lugar tão inatingível, tão precioso, tão difícil, tão pessoal… a gente quer que ele venha até nós, que ele se apresente, que se faça em nossa vida como milagre; tanto, que a gente esquece que há partículas de tudo que existe dentro de nós, inclusive de amor,  e para fazer qualquer coisa crescer a gente precisa multiplicar e não pedir. A meu ver, isso se aplica também ao amor.


Uma das formas de receber amor, sem dúvida, é da troca com pares e, muitas vezes é a maneira como alguém que pouco ou nada recebeu de amor pode entrar em contato com ele e percebê-lo possível. Mas ainda assim, se alguém está recebendo é porque alguém está entregando. Sempre temos a possibilidade de estar em alguma dessas posições em diferentes momentos da vida.


Certa vez em sessão de análise, eu chorava copiosamente uma culpa, um arrependimento por sentir que não havia amado alguém numa época em que tinha pouca maturidade para compreender certas coisas. Eu dizia a meu analista que com a consciência que tenho hoje eu trataria aquela pessoa diferente e que eu temia que ela tivesse achado em vida que eu não a amava pela forma infame como a tratei muitas vezes. Fui intolerante, mal criada, ríspida e insensível muitas vezes. Ao que, depois de integrar alguns aspectos por outras perspectivas ele me disse:


“No fim é tudo amor!”


E aquilo foi tão certeiro. Quem disse que a imaturidade não merece existir, o confronto, a briga, a irritação? O poder acredita que define o que pode ou não existir, mas o amor, o amor é o paradoxo onde tudo cabe e pertence; por isso ele move. Move as águas em nós e faz chorar, move o sangue até nossas faces e nos faz envergonhar, move a saliva em nossa boca e nos faz apetecer, move os pêlos dos braços e nos faz sentir a alma, move o calor em nossos rostos e nos faz odiar.

Por isso, amar-se também é reconhcer-se parte do todo e as partes do todo em si, deixando de querer ter poder também sobre esse eu e permitindo-se ser aquilo que se tem condição com o tanto de amor que cabe naquele momento.

 


Miriele Alvarenga/ Analista Junguiana

 
 
 

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