Pedras no caminho
- Miriele Alvarenga
- 20 de fev. de 2024
- 5 min de leitura

Algumas sugestões provenientes de boas intenções são carregadas de problemas pessoais desconsiderados e quando alguém as vocifera sobre nós, está tentando, nem que seja por um breve momento, sair da própria vida para sentir-se melhor palpitando sobre a vida alheia. Não tem um jeito muito mais suave de dizer isso… É uma fraqueza que vem travestida de tentativa de auxilio e sempre vem de alguém incapaz de ajudar a si mesmo.
Tem algumas semanas que um sopro de desânimo desencadeado por uma sugestão, comentário, incentivo não solicitado tocou minha nuca e me fez parar tudo que eu estava fazendo para sentar e refletir um pouco mais. Eu seguia um embalo de um porque aparentemente claro e caminhava satisfeita. Mas elas sempre estão lá, as pedras em nosso caminho. E se por um lado nos param, surpreendem, machucam, interrompem por um tempo, incomodam e representam obstáculos, por outro lado, se pudermos aproveitar essa parada para olhar para tudo que nos faz caminhar, rever os mapas e repensar a caminhada, então ela terá servido bem à essa etapa da de nossos passos.
Primeiro eu me revoltei, é claro! Quem quer ser impedido de caminhar por causa de uma pedra? As pedras são irrelevantes se a ignoramos, contornamos ou saltamos por ela alegremente. Mas o ponto nunca é a pedra, mas como nos relacionamos com ela.
Algumas palavras, um sentimento, uma memória, um fator inconsciente, uma dúvida que corta a mente como uma lâmina afiada, uma frustração acordada das profundezas… Qualquer coisa pode ser uma pedra.
E em meio a tantas vozes reflexivas se misturando e me fazendo revisar passado, pensar no futuro e questionar o presente, uma fala em específico quis ampliar pois me causou muito incômodo: o “ir atrás”. Essa expressão tão típica do nosso tempo. Tão carregada de meritocracia, masculinidade e claro, de supremacia do ego sobre os conteúdos da psiqué. Afinal de contas, se “EU” vou atrás, posso ter o que almejo, ser o que quero, viver a vida que escolhi… Será mesmo? Você que me lê, (é uma curiosidade genuína), você conseguiu tudo aquilo do qual foi atrás, do jeitinho que queria na vida. Não teve nada, nadinha mesmo que você perseguiu que simplesmente não se concretizou conforme você previa? Ou que se transformou com o tempo, perdeu força, sentido ou simplesmente não foi possível? Ou ainda que se concretizou por um tempo e depois não coube mais no percurso da vida, seja lá pelo motivo que for?
Eu ouso supor, arrogantemente, que não. Acredito que todos nós ou pelo menos a maioria de nós carrega frustrações, desejos não realizados e expectativas não correspondidas sobre nosso futuro ou nossa vida. Comigo não é diferente, e a ferida segue aberta. Vez ou outra, dependendo da pedra que aparece no caminho eu preciso sim, parar e lamber um pouquinho num cantinho escuro e solitário.
Na maioria das vezes são justamente os “fracassos” que nos fazem olhar para outra direção e desistir, nem que seja temporariamente, de um caminho. São os ditos fracassos que nos fazem traçar uma nova rota ou refazer o trajeto de outra forma. Nossa leitura sobre fracassos também está meio enviesada por nosso tempo caótico, pois aquilo que nos guia para outra direção, não necessáriamente é negativo ou prejudicial, só é! Mas estamos tão imaturos para o que simplesmente é, que somente por não compreendermos no tempo que queremos os desígnios dessa mudança, sofremos. Não acredito que seja somente uma dificuldade de aceitação, mas uma dificuldade de ler as entrelinhas do que se passa conosco, como uma sussurro dos deuses do destino, que são implacáveis em bondade e crueldade, mas sempre maiores que nós.
Para aqueles que tem o “ir atrás” na boca, na mente e no espírito, a dificuldade de enxergar as trajetórias da vida para além do que desenhamos na infância deve ser mesmo mais difícil. Aqui, acho importante ressaltar, não estou falando de esforços diversos investidos para garantir sustento que, para maioria da humanidade segue sendo desmedida e insalubre mediante a desigualdade social, mas também o quanto, até para esse contexto, essa filosofia do correr atrás pode ser cruel e ilusória. É quase como se o que somos, mediante uma impossibilidade de sobrevivência sem capital fosse, aos poucos, igualando recurso (ter) à nossa essência (ser).
Mas esse é outro papo!
Como eu disse, as feridas seguem comigo e essa criança chora bastante quando se vê sem compreender muito bem até hoje os sentidos tomados pela vida e por ela na vida.
Mas hoje, a última coisa que eu quero é ir atrás de algo como se perseguisse algo à força, seguindo uma ideia meio mal fundamentada por conteúdos inconscientes sem que essa coisa que eu quero, queira estar comigo também. Me interessa reciprocidade, estar junto, caminhar junto… observar o que a vida quer de mim tanto quanto observo o que quero da vida. Percebendo os movimentos daquilo ou daquele que caminha comigo. Observando, enquanto caminho, se tem coração, se me anima, se me traz o que preciso para crescer a alma, se condiz com meu momento de vida e, principalmente, se combina com as vontades do caprichoso acaso, destino, sorte, deus…
Ir atrás do que quer que seja… e a coisa sempre indo à frente sem que a gente alcance, mas sempre nos cansando muito. Andando nas pegadas do que já passou, seguindo passos e percursos deixados para trás por aquela fascinação meio longe meio ao nosso alcance. Tão perto e tão longe, querendo estar com quem não nos quer por perto e fascinada por uma vida fictícia de glamour e glória. Fantasiando com artistas de cinema, protegidos pelo que não será, seguramente no abrigo de não viver as coisas reais. Só quem já foi atrás e cansou de perseguir sonhos que insistem em nos acordar às 4:00 da manhã com sede, sabe a dor que é não controlar o que se sonha.
É… eu parei de ir atrás. E não, eu não desisti dos meus sonhos e também não acredito mais que eles desistiram de mim ou que não me queira vivendo-os. Mas, sem o chão, como caminhar os sonhos? Chão é realidade, é o que se tem hoje, o que é possível agora, o que me nutre neste momento, é o substrato do crescimento para qualquer ser encarnado. Fincada no chão a árvore busca o céu, espalha as sementes e gesta seus frutos.
Certa vez, uma pessoa relativamente próxima sentou-se comigo em um café e demonstrou preocupação com minha vida. Sabendo de meus episódios de melancolia e sem ter muitas notícias de minha vida ela disse com olhos meio tristes e meio desesperados:
- Temo que você esteja frustrada por não estar vivendo seu sonho…
Ao que respondi e mantenho ainda hoje minha resposta:
- Mas eu estou mesmo! Estou frustrada, acontece.
O medo das pessoas é que as emoções e sentimentos existam dentro delas mesmas, por isso, muitas vezes acreditam que precisam livrar os outros e o mundo desses sentimentos, talvez assim, extinguindo no outro eu me convença que é possível não os ter, ou, pelo menos, me eximo de sentir minhas próprias dores por instantes cheios de comoção pelo outro. Mas a notícia que não deve ser novidade nenhuma para você é que as emoções e os sentimentos não vão deixar de existir por nossos medos de lidar com eles. Tem frustração aqui? Opa, claro que tem, várias…. tem dias que vou precisar conversar mais de pertinho com ela, outros é quase como se ela não estivesse comigo, e assim vamos.
Mas sabe, eu já não pretendo ir atrás de nada que quero ser, porque hoje percebo o quanto já sou tudo que sonho ser, porque não existe ninguém no mundo que possa nos batizar daquilo que já nasce conosco. Na Terra a gente aprimora o que já é, serve com o que já tem, usa o que sabe, conhece e reconhece o que já recebeu, se inspira, aspira, relembra e vai circulando tudo que já está muito antes de nós numa aspiral com o centro como referência, nunca atrás. Sempre juntos! Na trilha, eu ando hoje não mais atrás da realização, mas atenta ao que também deseja se realizar através de mim! O resto é cosmético do mundo…
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